MAESTRO

Primeiro embaixador da Portuguesa conta as histórias de quase 70 anos de um amor pelo clube por acidente e relembra 7 a 3 histórico sobre o Timão 
Uma vida regida pela música e por um time. Aos oito anos, o maestro João Carlos Martins ganhou do pai o primeiro piano e se encantou. Foram centenas de apresentações nos mais importantes palcos, que fizeram do garoto o maior intérprete de Bach do mundo. No entanto, antes de se entregar às sinfonias do compositor alemão, outros sons já tocavam, e ainda tocam, o coração do menino João Carlos: os gritos e hinos da Portuguesa de Desportos.
Consagrado, João Carlos Martins leva a Portuguesa para todos os lugares. O time está sempre em suas conversas e entrevistas. Aos 71 anos, ele recebe com muita simpatia os visitantes da sua casa, inclusive Pelé, cuja genialidade ele compara à de Bach. Orgulhoso, o maestro vai logo exibindo os tributos do clube do Canindé...
João Carlos puxa seus convidados para um bate-papo repleto de histórias da música e da Lusa. Foram diversas glórias, mas nenhuma tão marcante quanto a goleada por 7 a 3 sobre o Corinthians pelo Campeonato Paulista de 1951. Quase 60 anos depois daquele domingo chuvoso, o maestro tem na memória o modo como o ataque da Portuguesa infernizou o Timão, que viria a ser campeão estadual no ano. Um jogo inesquecível de uma história de paixão que começou aos trancos.
 
 
AMOR POR ACIDENTE
 
A paixão pela música é uma tradição de família. O namoro com a música foi mais do que natural, enquanto a relação com a Lusa foi paixão ao primeiro tranco. Na década de 40, o passatempo dos irmãos Martins era deixar a casa na esquina do Parque do Ibirapuera para jogar futebol e assistir aos treinos da Portuguesa, que ainda não tinha o Canindé, nem ganhava títulos, “mas jogava para valer”. Em uma dessas escapadas para o parque, o jovem João Carlos sofreu o acidente que definiu seu time de coração.
- Eu tinha cinco anos de idade. Lembro que havia um campo no Ibirapuera, mas não era bem um campo, o que existia mesmo eram duas traves sem rede. Ficava atrás do gol, vendo o treino da Portuguesa. Nesse dia, Nininho cobrou um pênalti, e Caçambu, que era o goleiro, não segurou. A bola passou e bateu bem na minha cara. Acho que virei umas quatro vezes e desmaiei. Todos os jogadores da Portuguesa achavam que eu tinha morrido (risos). Fui abrindo o olho e percebendo que todos eles estavam me protegendo. Pelo carinho dos jogadores, acabei me apaixonando. A partir daí, virei torcedor fanático da Portuguesa – contou o maestro.

 
ATAQUE INFERNAL
Hoje, se não tem concerto em dia de jogo da Lusa, João Carlos Martins é figurinha carimbada no Canindé. Ele adora relembrar as glórias da Portuguesa, que, acredite, são muitas. Nenhuma, porém, foi tão inesquecível quanto a goleada por 7 a 3 sobre o Corinthians pelo Campeonato Paulista de 1951. O adversário era o grande favorito, só tinha perdido apenas uma partida até então, mas Pinga e Julinho foram além da média. Os dois atacantes infernizaram a defesa alvinegra.
- A Portuguesa pintou e bordou com o Corinthians. Mesmo com 11 anos, tenho na memória o domingo de chuva e o ataque da Portuguesa infernizando o Corinthians, como Julinho vinha pela direita e driblava todo mundo.... Foi uma época inesquecível. Portuguesa e Corinthians era um clássico naquela época. Era futebol arte.
 
A Portuguesa pintou e bordou com o Corinthians. Depois do jogo, eu nem dormi. Não acreditava: 7 a 3 no Coringão!"
João Carlos Martins
Julinho massacrou o Timão de Carbone e Baltazar. Fez quatro dos sete gols da Portuguesa. Sobrou para o jovem goleiro Gilmar, que foi alvo das críticas corintianas e  afastado, mas voltou à equipe no ano seguinte e gravou seu nome na história do Corinthians. João Carlos Martins defende o arqueiro, que, mais tarde, tornou-se seu amigo.
- Nesse jogo a torcida do Corinthians achou que Gilmar tomou um ou dois frangos, mas era naquelas bolas antigas e estavam molhadas. Eu me lembro da imagem de Gilmar deixando o campo desolado. Depois, fiquei amigo dele. O Gilmar falava que se sentia injustiçado, porque algumas pessoas do Corinthians chegaram a insinuar que ele entregou e, como esportista, ele jamais admitiria ter essa mácula na vida. Depois do jogo, nem dormi. Não acreditava: 7 a 3 no Coringão! – relembrou João Carlos Martins, aos risos.
 
PEDRAS NO CAMINHO
 
Aquele domingo não foi o único em que a Portuguesa tirou o sono do maestro. A relação dele com a Lusa percorreu um caminho repleto de pedras, e alguns tropeços foram inevitáveis. O primeiro foi a distância. Ainda muito jovem, o talento de João Carlos Martins como pianista o alçou em uma carreira internacional. Ele se mudou para Nova York, onde, entre idas e vindas, passou a maior parte de sua vida e se virava para continuar acompanhando as notícias da Lusa.
- Nunca deixava de acompanhar a Portuguesa. Não existia internet, então, quando morei em Nova York, ia a cada três dias nas lojas da Varig só para ler os jornais brasileiros e saber se a Lusa teve um bom resultado. Se estava em Paris, fazia a mesma coisa. Às vezes, recebia um telegrama do meu pai apenas para dizer que a Portuguesa tinha vencido. Mesmo em tempos mais recentes, o maestro teve dificuldades para seguir a Portuguesa. Ele acompanhou a decisão do Brasileirão de 1996, contra o Grêmio, por telefone. João Carlos diz que foi a ligação mais cara de sua vida e, no final, queria morrer por conta da perda do título, mas a música o reabilitou, assim como o ergueu após a segunda pedra, que quase acabou com a carreira de João Carlos Martins.
- Em 1964 ou 1965, eu estava em Nova York, olhei para o Central Park e vi um pessoal jogando bola. Desci correndo e era o time da Portuguesa, que estava disputando um torneio na cidade, e fui treinar com os jogadores. Batia bola lá, do meu jeito, mas era grosso (risos). Tive uma queda, e uma pedra rompeu um nervo da minha mão direita. Foi quando começou minha angústia. Foram 19 operações, até que perdi definitivamente as mãos para o piano.
 
PÉ-QUENTE  E  SUPERSTICIOSO
 
Mais um acidente em treino da Portuguesa. A paixão pelo time, porém, continuou inabalável. O pianista se tornou maestro e ainda é frequentador assíduo do Canindé. E ele é cheio de rituais para ir ao estádio. Senta sempre no mesmo local. Bem no meio da arquibancada. Tudo para afastar a uruca. Não sou supersticioso para reger em qualquer lugar do mundo ou para tocar piano, mas, na Portuguesa, tenho minhas manias. Se eu for com uma camisa e a Lusa perde, eu me proíbo de usar aquela camisa (risos). Esta deu sorte – disse João Carlos, mostrando com orgulho o escudo da Portuguesa no manto vermelho.
Quando a Lusa conquistou o acesso para a Primeira Divisão, em 2007, lá estava o maestro, no Canindé, e em uma posição mais do que privilegiada. Ele recebeu mais uma homenagem da Portuguesa. Esta o fez se sentir “o rei da cocada preta”. O maestro regeu o Hino Nacional antes da partida contra o Criciúma e se emocionou ao ouvir dos 15 mil torcedores os gritos de “um, dois, três, o maestro é português”. Ele espera repetir a dose este ano com direito a novo acesso à elite nacional. Empolgado, acredita que também tem sua parcela de contribuição para o desempenho da “Barcelusa”. Recentemente, João Carlos Martins foi nomeado o primeiro embaixador da Portuguesa e acredita que o novo título trouxe sorte ao time do Canindé.
- É um reconhecimento. Por ter virado embaixador, estão falando que sou pé-quente, porque está bacana o desempenho da Lusa. Vamos voltar a ser grandes. Falo que se algum dia vir um jogo de várzea e perceber que é a Portuguesa que está na várzea, vou lá na grade para gritar Lusa do mesmo jeito. Quando você tem amor a um time, não é uma coisa que se pode explicar.

 
Portuguesa de Desportos  7  x  3   Corinthians
 
Associação Portuguesa de Desportos:
Muca,  Nena  e Noronha,  Djalma Santos,  Brandãozinho e Ceci
Julinho,  Renato,  Nininho,  Pinga  e  Simão ( Técnico Oswaldo Brandão )
 
Esporte Clube Corinthians Paulista:
Gilmar,  Murilo  e  Alfredo,  Idário,  Touguinha  e  Julião
Claúdio  Luizinho,  Baltazar,  Carbone  e  Mário  ( Técnico  Rato )
 
Local: Pacaembu, São Paulo. Data: 25/11/1951. Competição: Campeonato Paulista de 1951. Árbitro: José de Paula Moura Leite. Renda: Cr$ 693700,00. Público: não disponível.
Gols: Julinho, aos 34, Pinga, aos 37, Idário, aos 43, e Pinga aos 44 do primeiro tempo; Nininho, aos 11, Carbone, aos 19, Julinho, aos 30 e aos 35, Carbone, aos 39, e Julinho, aos 44.
Cartões amarelos: não havia na época.
 
Por : Marcos Guerra e Sergio Gandolphi  - São Paulo
Créditos:  www.globoesporte.globo.com

O maestro João Carlos Martins, fanático torcedor da Portuguesa
(FOTO: Reprodução/UOL)

Maestro já estrelou a campanha de sócio-torcedor do clube, “Eu Torço Junto”
(FOTO: Reprodução/UOL)

Créditos:  www.esporte.uol.com.br


 
 

  

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